JOSÉ MÁRIO SILVA: Em «Mac e o seu Contratempo”, omais recente romance de Enrique Vila-Matas, lançado no início do ano em Espanha e já disponível em Portugal (com chancela da Teodolito e uma excelente tradução de Maria Manuel Viana), deparamos com um narrador que inicia um diário como “aprendizagem” da escrita literária. Titubeante de início, vai ganhando confiança ao descrever a sua vida quotidiana no imaginário bairro Coyote, em Barcelona. É um microcosmos relativamente banal (ainda com marcas da crise económica), por onde circulam personagens caricatas ou odiosas. Entre estas, destaca-se um vizinho de Mac, escritor famoso e altivo. Chama-se Sánchez e em tempos escreveu um livro falhado, “Walter e o Seu Contratempo”, uma obra de juventude esquecida e que ele prefere ver nesse limbo. Mac decide então desenterrar esse livro do rival, para o reescrever, modificando tudo, melhorando-o como pode. Ou seja, mergulhando impercetivelmente nos labirintos da ficção, até se tornar impossível discernir onde fica a linha que separa o real do inventado. Um escritor aprende a ser escritor ao refazer o imperfeito volume de contos de outro escritor, que por sua vez prestava homenagem, nas histórias desse livro, a outros escritores. Eis uma trama saturada de literatura. O território onde Vila-Matas se sente em casa. De passagem por Lisboa, o autor catalãofalou com o Expresso numa livraria do Chiado, explicando desde logo a génese deste romance que tem como tema central a ideia de repetição. “A história da literatura não é mais do que a repetição obsessiva de uma série de temas e questões, que são sempre as mesmas, através do tempo. Isto não quer dizer que se faça sempre as mesmas coisas, da mesma maneira. Como eu a vejo, a repetição é um movimento oposto à nostalgia. (…) A capital portuguesa é presença regular nos livros de Vila–Matas, assim como as referências a escritores portugueses, de Pessoa a Lobo Antunes. “É verdade que volto sempre a Portugal. Ainda há pouco, no táxi, ia reconhecendo as ruas e na minha mente como que se sobrepunham as múltiplas visitas que fiz a Lisboa. E lembrei-me que no livro que estou a escrever agora evoco a cidade de Amarante e a casa de Pascoaes, em particular a cabina no jardim onde ele se fechava a escrever poemas trágicos. Ocorreu–me então que as minhas experiências portuguesas são sempre muito literárias. De uma forma ou de outra, acabam transformando-se em literatura.
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